Na última semana, uma personagem que todo mundo no centro de Porto Belo forçosamente via (embora talvez nem sempre enxergasse), expirou.

O que sabemos dele é que se chamava Mazinho e que era uma dessas figuras típicas de qualquer cidade: o mendigo, o bêbado, o andarilho. Como fiéis companheiros, seus cães — que não julgam humanos pela posição social.

Sabemos também que algumas pessoas lhe estendiam a sua solidariedade. Não fosse assim, como vivia em tão precária situação?

O Mazinho não era exatamente um alvo de nosso projeto de documentação Retratos de Porto Belo. Pelo menos, não lembro de termos colocado seu nome em qualquer uma de nossas listas de possíveis entrevistados. Afinal, não seria muito simples conseguir que ele cumprisse com o protocolo que a tarefa exige: horário marcado, perguntas a se responder, sobriedade…

Mas havia algo mais a afastar essa possibilidade: o fato de entrevistas desse gênero configurarem o que podemos chamar de “clichê”. Jornalistas têm essa mania: adoram escolher como motivo de suas reportagens os marginalizados. Assim, já existe uma relativamente extensa literatura sobre o assunto.

Assim, para que mais um perfil de outcast se escritores mais habilitados já se encarregaram dessa missão? (Sugiro, como exemplo de leitura do gênero, O segredo de Joe Gould, de Joseph Mitchell)

A pergunta faria sentido não fosse o fato de cada trajetória ser singular. Mazinho era, como muitos, o “bêbado da cidade”. Mas o que fez dele o que era? Pensando bem, essa poderia ser uma bela história…

Não há mais tempo para isso, infelizmente; Mazinho se foi (“descansou”, diriam alguns, com certo alívio).

Fica, como homenagem a ele, os versos do parceiro de Retratos Thiago Furtado, que soube celebrar sua vida de modo original, e a foto que ilustra este artigo, da igualmente “cúmplice” deste projeto Isadora Manerich, que obteve uma imagem sacra dessa personagem tão mundana.

Aos versos do Thiago:

Andou de pés descalços
E teve nos cães os guias
Pra muitos, não tinha nome
Não tinha casa, não tinha nada
Talvez por desdenhar da ordem
Que nos dizem correta
Quem sabe, teve muito
Do que nos falta
Quem somos nós pra dizer
Como alguém deve viver?
Foi quem pôde ser
Vestiu a pele que lhe cabia
É assim pra todo mundo
No último carnaval foi coroado
Rei roto dessas ruas de pedra
Que ficam com a lembrança dos seus passos
Segue em paz, Mazinho